Aquele dia de Março
Gostava que parassem de dizer isto sobre o dia 8 e outras sugestões de comemoração para os próximos Dias Internacionais da Mulher.

O Dia Internacional da Mulher enche, inevitavelmente, o meu feed das redes sociais com publicidade a oferecer descontos para coisas que não me fazem falta nenhuma.
Assim de repente, consigo pensar nos «mimos» que mais me davam jeito para assinalar a data (e que não durassem só um dia):
Descontos mensais iguais à diferença salarial entre homens e mulheres — de acordo com os últimos dados da União Europeia, em Portugal, as mulheres ganham menos 8,6% do que os homens. A «campanha» duraria um ano fiscal e o valor do desconto actualizaria no ano seguinte, e abrangeria serviços básicos: passe mensal ou combustível; água, luz, gás e internet; bens de primeira necessidade; medicamentos com receita médica, mas que não têm comparticipação;
Pensos higiénicos, tampões e copos menstruais de borla;
Vedar a pessoas sem útero a discussão e aprovação de legislação que afecta apenas as pessoas com útero.
Estas campanhas publicitárias que acertam ao lado (ou acertam no alvo, mas eu não sou o target) são o meu pet peeve mais antigo nesta data.
O outro, que me faz ferver ainda mais o sangue, é mais recente. Ou melhor, começou a enervar-me há menos tempo — é possível que seja da idade; sinto-me a entrar na minha fase Jane Fonda.
São aquelas publicações, geralmente de mulheres, que incluem uma frase semelhante a esta: «infelizmente, ainda é preciso comemorar este dia». Como se assinalar e celebrar o Dia Internacional da Mulher fosse apenas para relembrar que, em termos de igualdade de direitos, ainda não estamos lá.
Este dia serve, sim, para relembrar todas as mulheres que lutaram antes de nós, todas as que lutam agora, e todas as que continuarão a lutar. E, se o equilíbrio chegar (já cá não devo estar para ver), nesse dia, as mulheres vão estar a comemorar todas as outras que contribuíram para chegar aí.
É uma comemoração; não é um lembrete.
Sugestões
De livros
Perdemos a Maria Teresa Horta e senti uma mágoa enorme. Não porque achasse que foi cedo demais, mas porque ela passou por tanta coisa para defender os direitos das mulheres e, feitas as contas, ainda avançámos tão pouco.

De filmes
Há filmes independentes nas plataformas de streaming que passo à frente porque a sinopse é uma merda. Às vezes, tenho paciência para arriscar e não me arrependo.
Foi o caso de El Llanto, disponível em Prime Video):
De séries
Acho que não tinha consumido tanto conteúdo em espanhol como nas últimas semanas. E, antes de começar a ver, pensei que esta série ia ser mais um daqueles documentários sensacionalistas. Felizmente, não foi. E é importante que seja visto, independentemente da vossa afinidade religiosa.
El minuto heroico: Yo también dejé el Opus Dei (How I Left the Opus Dei) está na Max:
De podcasts
Acho que até as pessoas que não eram assim tão fãs do autor ficaram estarrecidas quando tomaram conhecimento das alegações de abuso sexual contra Neil Gaiman.
Por ter estado em contacto directo com uma situação de abuso, quando estes casos surgem, tomo sempre o partido da vítima.
E já tive esta discussão inúmeras vezes: estar do lado da vítima não é condenar o abusador a vilão; é usar a minha posição para explicar que a primeira reacção das pessoas é não acreditar na vítima-sobrevivente (sobretudo quando o abusador é famoso) e, também, para dizer que acredito que muitas vezes o abusador nem sabe que o está a ser — e aqui podíamos abrir outra discussão, relacionada com a forma como os homens e as mulheres são educados para a actividade sexual de forma diferente; talvez, um dia, falemos sobre isso —, mas isso não é desculpa para não se avançar com uma investigação criminal.
Depois de muita ponderação, decidi ouvir o podcast que lançou a bomba. Master: the allegations against Neil Gaiman tem sete episódios e aconselho as pessoas para quem este assunto possa ser um gatilho para coisas menos boas, a espaçarem os episódios — há trigger warnings no início de cada um.
A questão do Neil Gaiman foi muito forte para mim já que sempre fui grande fã das obras dele.
Honestamente, e por muito que me custe, não me parece que ele esteja de todo inocente, mas a questão aqui não é essa. Era só para dizer que tenho o podcast para ouvir mas ainda não tive coragem...
Fase Jane Fonda😂.